As mineradoras Vale e Samarco foram autuadas em R$ 1,92 bilhão por terem registrado pagamentos de indenizações pela tragédia de Mariana, em Minas Gerais, para conseguir dedução de Imposto de Renda.
Após a Receita Federal identificar os pedidos, houve contestação por parte da União e o caso gerou quatro processos no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) atuou no caso e se posicionou contra as empresas, com vitória em todos os julgamentos até agora -mas ainda cabe recurso e as companhias podem tentar judicializar o caso.
O argumento das empresas para conseguir a dedução é que as indenizações e compensações relacionadas à tragédia devem ser consideradas uma despesa obrigatória de suas respectivas atividades.
Procurada, a Samarco -de propriedade de 50% da Vale e 50% da BHP-, dona da barragem que se rompeu, afirmou que “discutirá o assunto nos autos dos processos”, mas que cumpre rigorosamente os acordos firmados e mantém seu compromisso com a reparação.
Já a Vale defende que “a dedução de Imposto de Renda é aplicável, uma vez que os pagamentos de indenizações e compensações relacionados ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, refletem uma despesa obrigatória, decorrente da responsabilidade objetiva de reparação por parte da empresa”.
A barragem do Fundão se rompeu em novembro de 2015, deixou 19 pessoas mortas e despejou 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos no meio ambiente, em uma das maiores tragédias ambientais da história da mineração brasileira.
No Brasil, a Samarco recebeu multas ambientais, firmou termos de ajuste com o poder público e se comprometeu a indenizar as famílias. Para isso, criou a Fundação Renova.
A Vale inicialmente tentou se descolar do evento, mas, por ser acionista da Samarco, foi arrolada nos mesmos processos e classificada como responsável caso a primeira não cumprisse com suas obrigações.
Na Inglaterra, correm processos paralelos, uma vez que a britânica BHP também é acionista da Samarco.
Em 2024, foi firmado um novo acordo de reparação no STF (Supremo Tribunal Federal) de R$ 170 bilhões, que extinguiu a Renova e determinou que, para ter acesso ao dinheiro, os atingidos têm que se abster de ações que cobram responsabilidade das empresas -no país e no exterior- sobre os danos já ressarcidos.
O desconto no Imposto de Renda é previsto para gastos considerados como necessários. Por exemplo, insumos ou conta de luz -ou seja, elementos intrinsecamente relacionados à atividade-fim de uma determinada empresa.
É nessa categoria que Vale e Samarco tentam enquadrar as punições que receberam em razão da tragédia -por exemplo, multas ambientais, TACs (Termos de Ajuste de Conduta), a realização de ações de recuperação da natureza ou repasses obrigatórios para a Fundação Renova.
Ou seja, as empresas usaram esses pagamentos para reduzir o valor de impostos. O Fisco autuou as empresas em R$ 1,92 bilhão -valor equivalente ao que elas registraram no Imposto de Renda, acrescido de reajustes e multa.
Desde a tragédia, a Vale argumenta que não era responsável pela barragem que se rompeu. No seu cálculo de Imposto de Renda, porém, enquadra como despesas necessárias indenizações pagas após a tragédia.
A PGFN identificou duas situações assim, e autuou a empresa em R$ 624,5 milhões no primeiro caso e R$ 158,6 milhões no segundo -ambos foram julgados em 2024, com decisões favoráveis ao Fisco, por voto de qualidade.
“A tese acolhida pelo Carf foi de que a Vale, como responsável subsidiária, não poderia deduzir despesas cuja dedutibilidade foi negada ao responsável principal [Samarco], pois os repasses não se relacionam com as transações ou operações de suas atividades produtivas”, diz o procurador da Fazenda Nacional Vinícius Campos Silva.
A Samarco também pediu a dedução do imposto em pelo menos duas ocasiões. Foi autuada em R$ 633 milhões e R$ 505 milhões, respectivamente. O Carf julgou o primeiro caso em março de 2024 e, por maioria dos votos, negou o direito à Samarco de conseguir a dedução.
O segundo foi analisado no final de setembro deste ano, com o mesmo resultado. A única diferença é que, na parcela do valor referente a multas ambientais, a decisão foi pelo voto de qualidade -como o acórdão ainda não foi tornado público, não é possível saber qual é este montante dentro do total.
“A Fazenda Nacional sustenta, em suma, que tais gastos não preenchem os requisitos legais de necessidade, normalidade e usualidade, tratando-se de sinistro excepcional, e que sua dedutibilidade representaria socialização indevida do risco empresarial”, completa o procurador.